segunda-feira, 9 de maio de 2011

Entenda os problemas do Novo Código Florestal

"A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) está usando uma interpretação totalmente equivocada dos dados do censo agropecuário para tentar passar a ideia de que de 1960 para cá houve uma recuperação florestal nos imóveis particulares", mencionou Raul do Valle à IHU On-Line, ao comentar o relatório divulgado pela CNA, o qual mostra que houve crescimento de matas e florestas em terras particulares. Segundo ele, cerca de 80% do que restou da mata atlântica faz parte de imóveis particulares e tem déficit de vegetação nativa. "Não há dados precisos para o país como um todo, mas para algumas regiões, sim. Por exemplo, na bacia do rio Xingu, no Mato Grosso, há mais de 300 mil hectares de matas ciliares degradadas ou desmatadas". Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, Valle também se manifestou contrário ao projeto de elaboração do novo Código Florestal, proposto pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o qual será votado na Câmara dos Deputados ainda no mês de março (*prorrogado). "Defendemos que uma reforma na lei atual não anistie desmatamentos ilegais, mas permita que o proprietário que estiver numa área apta à agricultura e já tenha investido recursos para melhorá-la, possa compensar sua reserva legal recuperando áreas menos apropriadas".

Veja abaixo piniões de Raul Silva Telles do Valle que é advogado e mestre em Direito Econômico, formado pela Universidade de São Paulo (USP).


Os principais equívocos do relatório.

Nós fizemos uma análise desses dados (http://migre.me/3YUeF) e identificamos o equívoco. Em 1960, segundo os dados do IBGE, os imóveis particulares tinham, em média, 23,2% de sua área coberta por vegetação nativa. Em 2006, data dos dados mais recentes, a média subiu para 29,9%. Houve, portanto, um crescimento modesto, de 6,66%. E esse crescimento se deve, sobretudo, à incorporação de áreas públicas com vegetação nativa, especialmente na Amazônia e no Cerrado. Como muitas dessas áreas ainda não foram totalmente desmatadas, e na Amazônia a reserva legal é muito maior que no restante do país (80% x 20%), é natural que haja hoje, proporcionalmente, um pouco mais de floresta nos imóveis do que em 1960. Mas não porque houve recuperação. Infelizmente.

Situação de preservação das matas em terras particulares.

Grande parte das terras no país pertence a particulares e, portanto, naturalmente grande parte das matas está em mãos particulares. Estima-se que cerca de 80% do que restou de mata atlântica esteja em imóveis particulares. Mas, em função de um histórico de desrespeito à lei, que nunca teve instrumentos eficientes para ser aplicada, hoje boa parte dos imóveis particulares tem algum déficit de vegetação nativa, ou seja, está irregular. Não há dados precisos para o país como um todo, mas para algumas regiões, sim. Por exemplo, na bacia do rio Xingu no Mato Grosso há mais de 300 mil hectares de matas ciliares degradadas ou desmatadas. Isso sem contar as áreas de reserva legal.

O fato é que há sim um grande passivo, e temos que encontrar formas inteligentes de recuperá-lo, devolvendo vegetação nativa de onde ela nunca deveria ter sido tirada. A proposta defendida pela CNA – relatório Aldo Rebelo – simplesmente elimina esse passivo ao dizer que não é mais necessário recuperá-lo. É um prêmio a quem desrespeitou a lei e uma ameaça à integridade de nossos ecossistemas.

Aspectos que a reforma no Código Florestal deve considerar.

Deve considerar, sobretudo, mecanismos econômicos de incentivo à conservação e recuperação. Por exemplo, defendemos que uma reforma na lei atual não anistie desmatamentos ilegais, mas permita que o proprietário que estiver numa área apta à agricultura e já tenha investido recursos para melhorá-la possa compensar sua reserva legal recuperando áreas menos apropriadas, cujo uso econômico é baixo e que, via de regra, estão causando permanentemente prejuízos à sociedade, assoreando rios, desmoronando encostas, interrompendo o fluxo de fauna e flora, contribuindo com enchentes etc. Essa é uma reforma inteligente, que olha para frente, na lógica de criar um mercado para florestas nativas no país, que possa manter áreas hoje preservadas e recuperar áreas hoje degradadas.

Atenção especial à floresta amazônica, será necessário?

O ideal seria que cada bioma tivesse uma legislação específica, de acordo com suas peculiaridades, como tem a Mata Atlântica. A Amazônia é um caso óbvio. O conceito de mata ciliar não se aplica ali, pois os igapós são áreas de extrema sensibilidade ambiental, fundamentais para o ciclo ecológico dos rios, e vão muito além dos 30 ou 100 metros de APP. Deveria haver uma regra específica. Além disso, deveriam existir regras de incentivo específicas à exploração florestal sustentável. Hoje eles existem, mas são poucos.

Vantagens e desvantagens do atual código florestal.

A vantagem é que ele manda proteger áreas importantes para a produção de serviços ambientais, muito embora estudos recentes sobre faixas ripárias, por exemplo, indiquem que ele é insuficiente. Mas ele traz a ideia de que o dever de proteger é de todos, e não apenas do Estado. A desvantagem é que ele não tem medidas de apoio e incentivo, mas apenas de punição. Com os muitos anos de leniência da sociedade com sua aplicação, não dá para pensar que apenas com multas vamos resolver o problema do passivo. Elas são fundamentais, mas insuficientes. Temos que abrir um novo caminho de incentivos econômicos, de forma que o proprietário que está de acordo com a lei perceba vantagens concretas na hora de pegar um crédito agrícola, comercializar sua produção, pagar imposto rural etc.

Implicações da nova proposta de Código Florestal.

A proposta que está sendo discutida, elaborada pelo deputado Aldo Rebelo e apoiada pela bancada ruralista, tem uma implicação muito simples: vai premiar a ilegalidade e manter para sempre degradadas áreas ambientalmente importantes. Por exemplo, uma beira de rio que estiver ocupada desde antes de 2008, e que todos os anos joga toneladas de solo para dentro da água, poderá continuar do jeito que está. Pela lei atual ela deveria ser recuperada.

Além disso, diminui a área de reserva legal em todo o país, isentando os imóveis de até quatro módulos fiscais. Isso, além de não ter sentido, abre uma brecha impressionante para fraude, pois muitos imóveis maiores são, para os olhos do cartório, um conjunto de matrículas de imóveis menores e todos eles podem passar a ser isentos de reserva legal. O efeito, portanto, é imponderável, mas sabe-se que mais de 95% dos imóveis deixariam de ter reserva legal.

Uma das propostas do novo código é anistia completa para todas as multas aplicadas por desmatamento de Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL):

O problema não é anistiar multas, mas desobrigar a recuperação dessas áreas. Se o sujeito recuperar a área, não precisa ser multado. Mas o projeto, na verdade desobriga a recuperação, o que é intolerável.

Fonte: Entrevista com Raul Silva Telles do Valle - publicada no EcoDebate em 14/03/2011 pelo IHU On-line. IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.

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